Alguém, precisando de ajuda, vive sempre um momento de fragilidade e de carência, quer seja por dificuldades financeiras, doença ou solidão.
Quando quem recebeu a ajuda se vê numa situação melhor, não quer se lembrar do que passou, passa a negar a si mesmo que precisou de ajuda e atribui suas conquistas a si mesmo. Não quer dividir a vitória, nega o benfeitor, esquece-o e pode até agredi-lo, por ser humilhante para sua posição atual. Então, cospe no prato que comeu, como se diz vulgarmente.
Uma relação íntima entre as partes, agrava a situação pois a ajuda pode ter sido carregada de forte dose de afetividade, desejo profundo de felicidade e superação das dificuldades do ser amado. Nesse caso, o ingrato precisa esquecer duplamente do benfeitor, o benefício recebido e a afetividade envolvida. Então a ingratidão pode doer mais profundamente, porque se tratou não apenas de um benefício, mas de uma entrega de si.
Podemos concluir que o que atrapalha a gratidão em todos os casos é o orgulho e o egoísmo.
Agora, olhemos a questão do ponto de vista de quem ajuda. Que motivações podem levar uma pessoa a fazer o bem a quem esteja em situação de carência? Motivações nobres, puras e elevadas?
O ideal de um ato moral, como apontam o Evangelho e a interpretação espírita, é o desinteresse, entretanto fazer o bem nos dá prazer, havendo aí um egoísmo saudável.
Todos os seres humanos buscam prazer e felicidade, e isso é natural. Muito melhor que esse bem-estar seja provocado por um fazer o bem do que por um fazer o mal ou por qualquer tipo de vício autodestrutivo.
Num nível mais elevado de doação, encontraremos o indivíduo doando somente pelo bem do outro, sem pensar na própria felicidade.
Mas podem surgir também sentimentos inconscientes de superioridade e de prazer por estarmos numa posição de generosidade, de vaidade por sermos tão bons, então, o ato de ajuda pode carregar algo de humilhante para o outro, porque podemos nos colocar num patamar acima, onde o outro que recebe se sente de fato diminuído pela nossa atitude.
Outra forma de contaminar o gesto de ajuda está na cobrança de retorno, que pode ser uma cobrança sutil ou explícita de um jogar na cara ofensivo. A forma sutil gera desconforto no beneficiário e a explícita provoca a revolta.
Essas manchas no ato de doar não eximem aquele que recebe do sentimento de gratidão, principalmente se houver um vínculo amoroso envolvido no processo; assim como a ingratidão não exime o benfeitor de continuar fazendo o bem; porque é preciso compreender que estamos em processo de aprendizagem evolutiva e ainda quando queremos praticar o certo e queremos elevar nossos sentimentos, eles ainda se deixam macular por nossos atavismos milenares.
Há que se ter maturidade e compreensão mútua para entendermos as nossas fraquezas e as do outro. Há também que se considerar que nossos papéis de benfeitores e beneficiados se alternam no decorrer da vida. Todos temos fases, momentos de fragilidade. Todos temos oportunidade de ajudar alguém em outros momentos. Ora somos necessariamente carentes, ora podemos ser generosos. Refletindo sobre tudo isso, haverá mais oportunidades de superação e de caminharmos para formas superiores de sentir e fazer.
Mesmo se o nosso eu estiver já desprendido de toda mágoa e suscetibilidade – o que requer obviamente um trabalho bastante cuidadoso – podemos nos entristecer porque o ser amado está agindo de maneira tão acintosa e ingrata, por ele mesmo. Esse sentimento será entremeado de compaixão, sem falsa superioridade. Pode-se entretanto ainda misturar tais impulsos, enquanto estamos a caminho: mágoa com compaixão, tristeza pelo outro, com esperança de recompensa.
Enfim, tudo isso são aprendizados que nos competem assumir em nossa jornada evolutiva. E, tinha Kardec razão ao dizer que as duas únicas e maiores chagas da humanidade são o orgulho e o egoísmo.
Estejamos atentos a isso!
Baseado em texto de Dora Incontri