Amar é fácil. Tão fácil que pode ser inevitável. A gente ama
quem não merece, ama quem não quer nosso amor, ama a despeito de nós mesmos.
Tem a ver com hormônios, aparência e sensações que não somos capazes de
controlar.
A lealdade não. Ela não é espontânea e nem barata. Resulta de
uma decisão consciente e pode custar caro. Ela é uma forma de nobreza e tem a
ver com sacrifício. Não é uma obrigação, é uma escolha que mistura,
necessariamente, ideias e sentimentos. Na lealdade talvez se manifeste o melhor
de nós.
Lealdade não é o mesmo que fidelidade, embora às vezes elas se
confundam. Ser fiel significa, basicamente, não enganar sexual ou
emocionalmente o seu parceiro. É um preceito, uma regra que se cumpre ou não se
cumpre, uma espécie de obrigação. O custo da fidelidade é relativamente baixo:
você perde oportunidades românticas e sexuais. Não tem a ver, necessariamente,
com sentimentos. Você pode desprezar uma pessoa e ser fiel a ela por medo,
coerência, falta de jeito ou de oportunidade. Assim como pode amar alguém
perdidamente e ser infiel. Acontece todos os dias.
Lealdade é outra coisa. Ela vai mais fundo que a mera
fidelidade. Supõe compromisso, conexão, cuidado. Implica entender o outro e
respeitá-lo no que é essencial para ele - e pode não ser o sexo. Às vezes o
outro precisa de cumplicidade intelectual, apoio prático, simples carinho.
Outras vezes, a lealdade requer sacrifícios maiores.
A lealdade está amparada em valores, não apenas em sentimentos.
É fácil cuidar de alguém quando se está apaixonado. Mais fácil que respirar, na
verdade. Mas o que se faz quando os sentimentos desaparecem – somem com eles
todas as responsabilidades em relação ao outro? Sim, ao menos que as pessoas
sejam movidas por algo mais que a mera atração. Se não partilham nada além do
desejo, nada resta depois do romance. Mas, se houver cumplicidades maiores,
então se manifesta a lealdade. Ela dura mais do que os sentimentos eróticos porque
se estende além deles.
O romantismo, embora a gente não o veja sempre assim, é uma
forma exacerbada de egoísmo. Meu amor, minha paixão, minha vida. Minha família,
inclusive. Tem a ver com desejo, posse e exclusividade, que tornam a
infidelidade insuportável, a perda intolerável. As pessoas matam por isso todos
os dias. Porque amam. É um sentimento que não exige elevação moral e pode
colocar à mostra o pior de nós mesmos, embora pareça apenas lindo.
Minha impressão é que o mundo anda precisado de lealdade.
Estamos obcecados pela ideia da fidelidade porque a infidelidade nos machuca.
Sofremos exacerbadamente porque o mundo, o nosso mundo, não contém nada além de
nós mesmos, com nossos sentimentos e necessidades. Quando algo falha em nossa
intimidade, desabamos.
Talvez devêssemos pensar de forma mais generosa. Talvez
precisemos nos apaixonar por ideias, nos ligar por compromissos, cultivar
sonhos e aspirações que estejam além dos nossos interesses pessoais. Correr
riscos maiores que o de ser traído ou demitido. O idealismo, que tem sido uma
força de mudança na conduta humana, precisa ser resgatado. Não apenas para
salvar o planeta e a sociedade, mas para nos dar, pessoalmente, alguma forma de
esperança. A fidelidade nos leva até a esquina. A lealdade talvez nos conduza
mais longe, bem mais longe.
Ivan Martins
Revista Época