Por
que temos tanto medo da morte que evitamos olhar para ela?
A
morte é um vasto mistério, mas há duas coisas que é possível dizer a seu
respeito: é absolutamente certo que morreremos um dia e é incerto quando e onde
essa hora vai chegar. Então a única certeza que temos é essa incerteza sobre o
instante de nossa morte.
Nosso
desejo instintivo é seguir vivendo e a morte é um estranho fim de tudo que nos
é familiar. Tememos ser lançados ao desconhecido ou nos tornarmos algo
completamente diferente do que somos. Imaginamos que estaremos perdidos e
confusos e que será como acordar sozinhos, numa tormenta de ansiedade, num pais
estranho, sem dinheiro, passaporte, contatos, amigos...
Talvez
a razão mais profunda de termos medo da morte seja não sabermos quem realmente nós
somos. Nossa identidade é sustentada por uma série de coisas como nosso nome, nossos
companheiros, família, lar, emprego, amigos, cartões de crédito, etc... É nesse
suporte que apoiamos nossa segurança. Quando tudo isso nos é retirado, o que
nos sobra? O que realmente somos.
Sem
esses sustentáculos familiares, ficamos frente a frente conosco, alguém que não
conhecemos, um estranho com o qual estivemos vivendo todo o tempo, mas com quem
realmente nunca quisemos nos encontrar.
Estamos
sempre preenchendo nosso tempo com barulho e atividade, ainda que sem graça e
superficial, como vasculhar o facebook, para nos assegurarmos de nunca ficar em
silêncio frente àquele estranho que há em nós mesmos.
Vivemos
hipnotizados pela emoção de fazer de nossas vidas uma contínua construção de
castelos de areia. Esse mundo pode parecer maravilhosamente convincente até que
a morte destrua a ilusão e nos expulse de nossos abrigos seguros.
Quando
morremos deixamos tudo para trás, especialmente esse corpo que sempre tratamos
com tanto zelo, em que confiamos tão cegamente, e que com tanto empenho
tentamos conservar vivo.
A
maior parte da humanidade vive de acordo com um plano pré-elaborado. Passamos a
juventude sendo educados. Encontramos um emprego e alguém com quem nos casamos
e temos filhos. Compramos uma casa, tentamos ser bem sucedidos em nossas
profissões e lutamos por sonhos como o ter o carro do ano. Viajamos e
planejamos nossas férias.
Os
maiores dilemas com que muitos de nós nos defrontamos são onde passar o próximo
verão ou quem convidaremos para nossas festas.
Nossas
vidas são monótonas, insignificantes e repetitivas, desperdiçadas em busca de
banalidades, porque parece que não conhecemos nada melhor.
O
ritmo de nossas vidas é tão intenso que a última coisa em que temos tempo para
pensar é na nossa morte.
Abafamos
nosso medo secreto da impermanência, cercando nossas vidas de mais e mais bens,
de mais e mais coisas, de mais e mais confortos, só para nos tornarmos escravos
disso tudo.
Todo
nosso tempo e energia se exaurem para manter essas coisas. Quando mudanças
ocorrem, encontramos o remédio mais rápido.
E
assim nossas vidas transcorrem, a menos que uma doença séria ou um desastre nos
arranque desse sonho.
Se
observarmos nossa vida, veremos quantas tarefas sem importância - as assim
chamadas responsabilidades - se acumulam para preenchê-la. Nossa vida parece
viver-nos.
No
fim pensamos que não temos mais escolha ou controle sobre ela. Às vezes
acordamos no meio da noite banhados de suor nos perguntando: “O que estou
fazendo com a minha vida?” Mas nossos temores só duram até o café da manhã.
Logo ligamos a chave da ignição e começamos tudo de novo.
Pense
no que pode acontecer conosco, mais dia menos dia. Andamos perambulando pela
rua vagando em pensamentos ou ouvindo nosso walkman. De repente, um carro passa
sobre nós em alta velocidade e acaba com tudo.
Veja
a televisão ou leia os jornais: a morte está por todo lado. Será que as vítimas
desses desastres de avião ou carro esperavam pela morte?
Elas
davam a vida como certa, assim como nós.
Quantos
amigos ou conhecidos morreram inesperadamente?
Às
vezes precisamos nos sacudir e nos perguntar: “E se eu morrer esta noite, o que
vai ser?” Nunca sabemos se vamos acordar no dia seguinte, ou onde.
Se
você expira e não pode voltar a inspirar, está morto. É mesmo simples assim.
Como diz um ditado tibetano: “Amanhã ou a próxima vida – o que vem primeiro - nunca
se sabe”.
É
importante refletir com calma, muitas e muitas vezes, que a morte é real e
chega sem aviso.
Os
seres humanos passam a vida se preparando, se preparando, para afinal chegarem a
uma outra vida despreparados. Talvez somente aqueles que compreendem como a
vida é frágil saibam o quanto ela é preciosa.
No
mundo moderno temos que trabalhar e ganhar nosso pão, mas não nos devemos
enredar em uma existência cotidiana sem noção do significado mais profundo da
vida.
Nossa
tarefa é chegar ao equilíbrio, encontrar o caminho do meio, aprender a não nos
estendermos além do possível em atividades e preocupações irrelevantes, e
simplificar mais as nossas vidas.
A
chave para encontrar a felicidade na vida moderna é a simplicidade. A paz de
espírito surgirá daí. Haverá mais tempo para tratar das coisas do espírito e do
conhecimento que só a verdade espiritual pode trazer, e que podem ajudar a
enfrentar a morte.
Talvez
agora devamos perguntar a nós mesmos: “O que de fato consegui realizar na vida?
O que de fato compreendi sobre a vida e a morte?”
É
porque ignoramos a verdade da impermanência que sentimos tanta angústia face à
morte e tanta dificuldade de encará-la frente a frente. Queremos que tudo
continue como está. Teimamos em acreditar que as coisas ficarão sempre do jeito
que são. Mas isso é faz-de-conta.
Não
importa o quanto a verdade continue nos interrompendo: preferimos seguir, com
nossa aventura, tentando manter a farsa.
Em
nossas mentes, as mudanças são sempre associadas à perda e ao sofrimento.
Concluímos que a permanência garante a segurança e a impermanência não.
Reflita
sobre isso: a realização da impermanência é, paradoxalmente, a única coisa que
podemos manter; talvez nosso último bem. É como o céu ou a terra, não importa
quanto tudo mude ou se dissolva à nossa volta, a terra e o céu permanecem.
Suponhamos
que nos envolva uma profunda crise emocional, ou a nossa vida esteja desabando,
ou que a pessoa amada vá embora. A terra e o céu estarão lá, onde sempre
estiveram. Claro que a terra às vezes treme ou o céu nubla, mas só para nos
lembrar que nada é certo ou garantido.
Baseado no “Livro tibetano do viver e do
morrer” de Sogyal Rimpoche
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