sábado, 1 de novembro de 2014

O Estresse




Estresse é um termo que se vulgarizou nos últimos tempos. Queixa-se de estresse o homem que chega em casa depois de um dia de muito trabalho, de trânsito pesado e das filas do banco. Queixa-se a mulher que enfrentou uma maratona de atividades domésticas, profissionais e com os filhos. À noite, terminado o jantar, com as crianças recolhidas, os dois mal têm forças para trocar de roupa e cair na cama.

A palavra estresse não cabe nesse contexto. O que eles sentem é cansaço, estão exaustos e uma noite de sono é um santo remédio para recompor as energias e revigorá-los para as tarefas do dia seguinte.

A palavra estresse, na verdade, caracteriza um mecanismo fisiológico do organismo sem o qual nós, nem os outros animais, teríamos sobrevivido. Se nosso antepassado das cavernas não reagisse imediatamente, ao se deparar com uma fera faminta, não teria deixado descendentes. Nós existimos porque nossos ancestrais se estressavam, isto é, liberavam uma série de mediadores químicos (o mais popular é a adrenalina), que provocavam reações fisiológicas para que, diante do perigo, enfrentassem a fera ou fugissem.

É pela ação desses mediadores que, num momento de pavor, os pelos ficam eriçados (diante do cão ameaçador, o gato fica com os pelos em pé para dar impressão de que é maior), o batimento cardíaco e a pressão arterial aumentam, o sangue é desviado do aparelho digestivo e da pele, por exemplo, para os músculos que precisam estar fortalecidos para o combate ou para a fuga. Vencido o desafio, vem a fase do pós-estresse. Quem já passou por um susto grande sabe que depois as pernas ficam trêmulas e, às vezes, andar é impraticável.

No entanto, o estresse do mundo moderno é muito diferente do que existia no passado. Resulta do acúmulo de pequenos problemas que se repetem todos os dias. A promissória a vencer no banco e o compromisso com hora marcada prejudicado pelo congestionamento inexplicável não liberam mediadores na quantidade necessária para enfrentar um animal ameaçador, mas provocam um discreto e constante aumento da pressão arterial e do número dos batimentos cardíacos que, sem dúvida, trazem consequências nefastas para o organismo.

O estresse é uma defesa natural que nos ajuda a sobreviver, mas a cronicidade do estímulo estressante acarreta consequências danosas ao nosso organismo. Embora a tendência do indivíduo seja elaborar estratégias para resolvê-las, muitas vezes, ele vai se adaptando às exigências do chefe intransigente, à situação econômica difícil, aos revezes do dia a dia. Se não conseguir criar essas estratégias, seu organismo não irá reagir convenientemente diante dos problemas e dará sinais de cansaço que podem afetar os sistemas imunológico, endócrino, nervoso e o comportamento do dia a dia. A continuidade dessa situação afeta a pessoa, exaurindo suas forças e ela cai num estado de exaustão, de estresse propriamente dito. Caso não consiga reverter o processo, as consequências não tardarão a surgir: aumento da pressão arterial, crises de angina que podem levar ao infarto, dores musculares, nas costas, na região cervical, alterações de pele, etc. Daí a importância de a pessoa estar alerta para os sinais que o corpo registra.

Há pessoas que experimentam picos de adrenalina e vivem bem assim. Os corredores de Fórmula 1, por exemplo, mostram-se bem adaptados ao estresse inerente à sua profissão.

Quando se deve desconfiar de que algo diferente está ocorrendo? Se a pessoa notar que já não se levanta com a mesma disposição, a mesma energia para desempenhar suas atividades diárias, que se irrita com os outros facilmente, que seu comportamento está fugindo do padrão habitual, se não consegue dormir, ou mesmo dormindo a noite inteira, não acorda descansada, pois o sono não foi tranquilo e reparador, precisa ficar atenta. Algo dentro dela está avisando que as coisas não vão bem e que é fundamental tomar certas medidas para evitar consequências mais sérias. Em geral, é alguém de fora que chama atenção para o problema. A roda da vida quase sempre impede que a própria pessoa perceba com clareza o que está acontecendo com ela.

O estresse não está categorizado na classificação internacional das doenças. O que se observa, porém, já há algumas décadas, é que ele está presente nos consultórios dos médicos de diversas especialidades: cardiologistas, pneumologistas, endocrinologistas, clínicos gerais, psiquiatras. Isso leva a crer que, em breve, haverá uma modificação no Código Internacional de Medicina e ele será considerado uma categoria diagnóstica. Atualmente, é classificado como uma síndrome que afeta vários órgãos.

Não é raro a pessoa procurar um médico, ser examinada, fazer exames e ouvir: “Isso não é nada. É só emocional”.  Ora, se é emocional, é alguma coisa. Não é sensato esperar que as doenças se instalem (hipertensão, lesões nas coronárias, hipertrofia cardíaca) para tomar uma providência. Se existe um fator emocional que está desencadeando o desconforto, ele precisa ser valorizado. Nesses momentos, é sempre bom perguntar o que pode estar favorecendo o aparecimento dos sintomas. Aquilo que é estressante para um indivíduo, pode não significar nada para outro. A reação de cada um está vinculada à genética, ao temperamento, à personalidade, à maneira de perceber e assimilar as situações.

Dois irmãos, mesmo que sejam gêmeos e criados da mesma forma, podem desenvolver reações absolutamente diferentes. Um se descontrola se fica preso no trânsito na volta para casa; o outro aproveita a ocasião para ouvir música, relaxar, esvaziar a cabeça e esquecer o chefe ranzinza que cobra o serviço com urgência e depois o esquece em cima da mesa. Se a promissória está para vencer na semana seguinte, um perde logo o sono e a tranquilidade, enquanto o outro deixa tudo para resolver na véspera do vencimento.

É bom lembrar que não existem problemas sem solução. Basta que nos empenhemos em encontrá-la. Nem sempre aparece a solução ideal, a que gostaríamos de alcançar, mas temos de aceitá-la, seja ela temporária ou definitiva.

Quem costuma protelar as decisões indefinidamente, em determinado momento, terá de enfrentar as consequências desse comportamento sossegado. No entanto, sofrer antecipadamente não ajuda a resolver o problema. É preciso aprender a gerenciar os acontecimentos e a buscar estratégias para encontrar uma solução.  Veja o caso da pessoa que fez um empréstimo no banco. O razoável é que levante algumas possibilidades para juntar o dinheiro do pagamento e estabeleça metas de poupança. Reduzir as compras no supermercado, abrir mão do celular, cortar despesas com o supérfluo pode ser um bom caminho.

A pessoa que não sabe administrar os problemas de cada dia precisa aprender a fazê-lo. Às vezes, a ajuda de um profissional é indispensável para evitar que a qualidade e o tempo de vida fiquem seriamente comprometidos por esse comportamento.

Não é só a educação, mas é também a educação que interfere nessa forma de agir. Às vezes, nos deparamos com dois irmãos, gêmeos até, um muito sossegado e o outro extremamente agitado. É uma característica individual, uma exigência interna. Por isso, diante de um mesmo evento cada um reagirá a seu modo.

Todos temos, porém, uma maquininha de fabricar estresse. O irmão que precisa ter tudo em ordem antes de se arrumar para a escola demonstra uma necessidade de perfeição, de ser organizado para sentir-se bem que o outro desconhece. Pouco importa para quem não é exigente se a camisa está abotoada, os tênis limpos, o lanche bem arrumado. Se, em geral, os desligados tendem a usufruir melhor qualidade de vida, são eles que penam para sobreviver no mercado competitivo de trabalho. Por isso, o importante é aprender a adequar-se às exigências. Nem ser o menino que quer tudo perfeito nem o relaxado que não se abala com nada.

Se os pais não souberem dizer não para filhos, se não lhes ensinarem um mínimo de organização, não os estarão preparando para a vida. Por outro lado, se forem exigentes demais, podem estar estimulando o estresse do filho. Vamos analisar casos extremos diante do exame vestibular. O desorganizado não consegue estruturar-se para estudar e, na hora da prova, se perde entre as questões. O outro, apesar da boa perfomance intelectual que demonstrou ao longo da vida escolar, tem um lapso de memória e não consegue lembrar-se do que estudou.

Isso é uma exigência interna decorrente do estresse, da cobrança que ele se impõe na vida, diante das coisas que executa e faz. E se pensarmos que só os adultos estão sujeitos a desenvolver esse quadro, estaremos enganados. As crianças estão cada dia mais estressadas. Elas vão para a escola, estudam línguas estrangeiras e informática, fazem natação, balé, judô e não têm tempo para mais nada.

É preciso desde cedo aprender a organizar a vida. Sem dúvida, o trabalho é essencial na vida de adultos e crianças, mas não é tudo. Todos precisam de lazer e a maioria das pessoas estressadas não sabe sentir prazer. Muitos não se permitem gozar a satisfação de ter completado uma tarefa, seja ela qual for. Sentir prazer ameniza o impacto do estresse.

Nós temos sempre que pensar no lado positivo das coisas. Isso ajuda os neurotransmissores a não detonar nosso organismo. Se houve uma enchente na marginal e o trânsito estava engarrafado, ter seguro para consertar o carro ou escapar ileso da confusão já é uma grande conquista. Se formos capazes de olhar o lado positivo, mesmo que tudo pareça muito complicado, é um caminho para encontrar uma saída. Na verdade, construímos nosso destino e garantimos a qualidade de nossas vidas de acordo com o modo de enfocar possíveis contratempos.

Em geral, a insatisfação permanente que os adultos carregam como um fardo deriva do aprendizado de um comportamento. A criança não está preocupada com as tarefas, mas a mãe, o pai e os professores cobram que sejam feitas no prazo certo e com capricho. Essa cobrança vai sendo internalizada e, em dado momento, ela passa a cobrar de si mesma um desempenho impecável e perde essa coisa gostosa da infância que é sentir-se feliz e nada mais. Alcançar sempre a perfeição é um objetivo estressante e quase impossível. E as pessoas se torturam por causa disso. Esses extremos de cobrança aumentam o nível de estresse e favorecem a adição de drogas, do álcool, os quadros de depressão, ansiedade e somatização.

O estresse age como os cupins que vão roendo a madeira até sobrar só uma capa externa de verniz. Quando nos damos conta, ele já danificou vários órgãos, comprometeu a performance profissional e o relacionamento dentro e fora de casa. Não importa o que o tenha provocado. Ele interfere em todas as áreas porque as pessoas não são constituídas por departamentos estanques. A primeira reação é de enfrentamento. Depois, o organismo opõe resistência ao estímulo, produz menos adrenalina e glicose para vencer o obstáculo, entra num processo de falência e surgem as doenças. Por isso, é importante as pessoas estarem alerta para o que compromete sua qualidade de vida.

O trânsito está congestionado, as pessoas param no bar e tomam uma cerveja. Aproxima-se a hora da reunião com a diretoria ou de falar em público, um uísque ajuda a criar coragem. O álcool funciona como um grande ansiolítico. Se possui esse lado angelical – amenizar a ansiedade em certos momentos -, tem também um lado diabólico: a necessidade de recorrer ao álcool aumenta sistemática e gradativamente e inúmeros prejuízos decorrem de seu uso crônico.

É muito comum em profissões de maior impacto de estresse, a existência de um número grande de etilistas. Por quê? Porque diante de situações que não sabe administrar, a pessoa recorre ao álcool (e a outras drogas, como maconha, cocaína, energizantes, etc.) para se anestesiar, criando, assim, uma fantasia de bem-estar com consequências potencialmente desastrosas.

Em geral, as profissões de maior impacto de estresse são as que lidam com o ser humano, nas quais a interrelação pessoal é permanente. Médicos, professores, jornalistas são exemplos de gente que não pode falhar. Recentemente, os policiais passaram a engrossar esse grupo, assim como as pessoas que trabalham em bolsas de valores e em bancos por causa da instabilidade do sistema financeiro. Outro dia me perguntaram se as donas de casa estariam livres do estresse. Não estão. Gerir uma casa com orçamento minguado e múltiplas responsabilidades as tornam sujeitas a cargas maciças de estresse.

Elas têm de administrar o orçamento, orientar os filhos que estão também estressados com os trabalhos da escola, acalmar o marido que chega de mau humor porque brigou com o chefe. Muitas ainda trabalham fora e procuram dar conta da dupla jornada com profissionalismo.

Na verdade, geralmente a mulher é a pessoa que mais trabalha na família. Não tem folga nos fins de semana nem nos feriados. A dona de casa acaba sendo o centro de tudo. Todas as pancadas recaem sobre ela.

Há tempos, uma pesquisa espanhola comparou os níveis de estresse em homens e mulheres.  A não ser na infância, independentemente da profissão, na faixa etária entre 30 e 40 anos, o nível de estresse feminino era de 6% a 10% maior do que o masculino. Uma matéria publicada pela revista Veja destacou a vida de grandes executivas que tinham de conciliar o cuidado com os filhos e as atividades profissionais. Raramente os pais dessas crianças deixavam de trabalhar para levá-las ao médico. Isso era responsabilidade das mães.  Se cabe a elas tanta responsabilidade, é preciso que aprendam a gerenciar suas vidas para transformar essa fonte de estresse em fonte de prazer.

Para prevenir o estresse o primeiro passo é identificar a causa do estresse e verificar se é possível afastá-la. Se não for, é preciso criar estratégias para resolvê-la. Às vezes, a solução encontrada não é a ideal, mas é a que se pode pôr em prática naquele momento.

Além disso, horas de sono e de lazer para reduzir os níveis constantes de adrenalina também são boa medida profilática.

A atividade física, mas sem cobrança de desempenho perfeito, é fundamental nesse processo e curtir alguns hobbies ajuda muito desde que não estejam relacionados com o trabalho do dia a dia. Se sou médica, vou me distrair fazendo crochê, tricô ou pintura para meu cérebro descansar nesse período.

Acima de tudo, a pessoa não deve automedicar-se. Incluo nisso o álcool que anestesia, os tranquilizantes e os analgésicos. Se a pessoa não conseguir controlar os níveis de estresse sozinha, deve procurar ajuda profissional.

A atividade física ajuda a neutralizar a ação dos neurotransmissores que são liberados pelo estresse, porque nosso organismo tem uma fábrica excelente de endorfina. Se fizermos exercícios, quaisquer que sejam eles, por mais de 20 minutos, o nível de endorfina, principalmente no cérebro, aumenta e isso proporciona uma sensação de bem-estar. Na época em que o professor Jatene era ministro da Saúde, dizia que, quando a coisa pegava fogo, saía andando pelo Ministério para baixar o nível de adrenalina e liberar endorfina a fim de refletir melhor para tomar medidas  acertadas.


Texto de Alexandrina Meleiro
Médica psiquiatra que trabalha no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo


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